II Semana de Radialismo da UFRJ: o rádio em sua história, teoria e prática

Evento promovido pelo Programa de Educação Tutorial reuniu profissionais e pesquisadores do ramo para discutir o passado, o presente e o futuro do rádio.

Como parte da pesquisa WebRádio: Uma Ação Rizomática na Formação de Redes Sociais, o Programa de Educação Tutorial da UFRJ (PET-ECO) promoveu a Radioação - II Semana de Radialismo da UFRJ.

O evento foi realizado nos dias 14, 15 e 16 de abril de 2009 e contou com a participação de profissionais e pesquisadores, a fim de discutir não só o que acontece na prática no campo do radialismo, como também fundamentações teóricas a respeito do assunto.

Questões como a evolução do sistema de rádio, o funcionamento de novas tecnologias de rádio-emissão e a identificação de novas ações para criar um ambiente democrático no meio radiofônico orientaram as principais discussões.

Os convidados não deixaram passar em branco o problema da concentração de poder e o controle da informação que se verifica principalmente na rádio tradicional, a qual monopoliza as freqüências para transmissão em nível local, regional e nacional, não abrindo espaço para as rádios comunitárias, que acabam sendo caçadas pelo governo. E aproveitaram para dar um prenúncio do que vem por aí em termos de novidades no meio radiofônico, principalmente no que se refere às rádios online e digitais.

“Piratas são eles. Nós não estamos atrás do ouro.”

No segundo dia da Semana de Radialismo da UFRJ – 2009, a frase que marcou o movimento jovem pelas rádios livres na década de 80 deu o tom das discussões.

Por João Montenegro

Ao retomar, em sua apresentação, o principal slogan do movimento jovem pelas rádios livres – “Piratas são eles. Nós não estamos atrás do ouro.” –, que teve seu ápice na década de 80, a jornalista Cláudia de Abreu deu um prenúncio de como seria o segundo dia de debates da Radioação – II Semana de Radialismo da UFRJ.

Composta por três praticantes da radiodifusão livre e comunitária, também militantes da causa, e um acadêmico que busca “manter a chama da comunicação comunitária acesa na esfera universitária”, a mesa Sintonia Social – Rádios Comunitárias serviu de palco a discursos determinados a chamar a atenção para as questões políticas e econômicas que estão por trás da criminalização dessas práticas.

A frase lembrada por Cláudia é significativa. As rádios livres e comunitárias não têm fins lucrativos e procuram complementar a informação que circula pelos grandes meios, de acordo com a necessidade de determinadas pessoas e lugares, ao passo que as rádios comerciais, como próprio nome implica, vivem de publicidade. Daí a velha história do problema do controle da informação servindo aos interesses de poderosas corporações.

Esses grandes grupos estão, direta ou indiretamente, por trás do fechamento de rádios comunitárias em todo o país – são cerca de 200 diários –, como o que aconteceu no Rio de Janeiro, no início deste ano. Para Tião Santos, coordenador da rádio Viva Rio, a forma como a repressão vem sendo conduzida pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) é absurda e desproporcional.

Até o Bope [Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar] participou dessas operações. Foi um uso desnecessário da força! Além disso, só a polícia federal poderia ter participado, já que a lei é federal – observou Tião.

O radialista afirmou que é preciso valorizar as rádios comunitárias, pois essas trazem a possibilidade de outras formas de expressão, de uma comunicação cidadã, e contribuem para uma melhor organização das comunidades.

Outro convidado do dia, que já sofreu na pele a repressão policial por estar operando rádios comunitárias, foi Carlito de Almeida, representante da Abraço – RJ (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária). Ele lembrou que, recentemente, foram fechadas rádios e TVs comunitárias em Guapimirim, na Baixada Fluminense, e destacou a importância da radiodifusão comunitária.

As rádios comunitárias são um instrumento útil à comunidade porque permitem aos moradores ter acesso à informação que toca em assuntos locais, prestando um serviço para eles. Precisamos convencer o Governo de que não estamos cometendo crime e que essas rádios são uma necessidade social - disse.

Ameaça à Indústria

Diz o artigo 5º da Constituição brasileira, em seu inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” Apesar disso, as rádios comunitárias e as rádios livres, por meio das quais tal direito poderia exercido na prática, são chamadas de ‘piratas’ e criminalizadas pelo Estado, devido ao forte lobby dos grandes veículos de comunicação.

Como registrou Marcelo Gabbay, pesquisador do Laboratório de Estudos de Comunicação Comunitária da UFRJ (LECC), sete grupos midiático-comerciais controlam 80% de tudo que lemos, ouvimos e vemos. E mais da metade da audiência e 74% da verba publicitária concentram-se na Rede Globo. A rádio livre, isto é, que não tem autorização do Estado para ir ao ar, é mais um dos fenômenos propiciados pelo avanço das tecnologias de comunicação, tal qual a internet e os downloads, que assustam os grandes grupos que controlam a cultura.

Gabbay enxerga esse controle como uma necessidade para o estabelecimento do que Gramsci, autor que fundamenta a atual linha de estudos do laboratório, chama de hegemonia: uma construção de poder através da aquiescência dos dominados à ordem social, pela produção de uma vontade geral consensual. É o consenso, produzido artificialmente, que rege os valores, a moral e, inclusive, justifica a lei.

– Ao mostrar os equipamentos de rádio apreendidos sendo triturados como armas, o Estado [Anatel] está criminalizando a prática da radiodifusão livre e comunitária, formando um determinado consenso quanto a essa prática – explicou o pesquisador.

Assunto não pode ser Tabu

A visão assim construída sobre as rádios livres e comunitárias destoa do que, conceitualmente, significam essas rádios. Elas representam não apenas um passo em direção à democratização da comunicação, mas uma possibilidade de maior inclusão social. Até o próprio Governo poderia utilizá-las, conforme lembrou Tião Santos:

– Há coisas sensacionais ocorrendo por todo o Brasil, em termos de radiodifusão livre e comunitária. Muitas dessas rádios dão de dez a zero em grandes rádios comerciais. O Governo Federal poderia, por exemplo, fazer propaganda em rádios comunitárias, pelo menos nas autorizadas, e deixar de gastar milhões de reais.

Contrariando a imagem negativa que o Estado procura passar à população a respeito das rádios livres e comunitárias, os convidados deram argumentos consistentes a seu favor, deixando claro que tal questão não pode ser tabu numa sociedade plenamente democrática. A discussão sobre essa forma de radialismo deve continuar, e a sociedade deve pressionar o Governo a, no mínimo, rever a maneira como vem reprimindo essa prática.